Como os sistemas cognitivos se transformarão no futuro da computação
Há dez anos, tarefas cognitivas eram consideradas fora do escopo da computação e agora estamos discutindo qual é o seu grau de eficiência
Por: Cezar Taurion
Em 2004 (há mais de dez anos, portanto) li um livro que me chamou muito a atenção. O titulo é “The New Division of Labor: How Computers Are Creating The Next Job Market”, dos economistas Frank Levy e Richard Murnane. Diante da acelerada evolução tecnológica os autores argumentaram que os computadores assumiriam o lugar das atividades humanas em muitas tarefas, mas não poderiam operar em outras. As tarefas que envolvessem percepção sensorial, reconhecimento de padrões e conhecimento conceitual continuariam exclusivas dos seres humanos. Eles fizeram a distinção entre conhecimento tácito e explícito. O explícito ou declarativo poderia ser expresso via instruções orais ou escritas e portanto programáveis. Os computadores poderiam assumir todas as tarefas explicitas. Já o conhecimento tácito refere-se a tudo aquilo que fazemos mas não conseguimos claramente definir como fazemos.
Aprendemos e internalizamos o conhecimento, como dirigir um veiculo por exemplo. Mesmo que consigamos explicar como fazer uma ultrapassagem, dificilmente alguém repetiria exatamente nossas ações. Não existe uma receita simples e declarativa para estas tarefas. Assim, o conhecimento tácito continuaria inerentemente humano. O carro do Google rompeu estas barreiras. E novos sistemas de interface e diálogo em linguagem natural como o Siri, Cortana, Google Now e o Watson quebram mais uma vez a barreira entre o tácito e o explícito. As implicações serão significativas.
Os sistemas cognitivos são o resultado da convergência de avanços significativos em vários ramos da ciência da computação, como hardware (processadores e storage mais poderosos e baratos), processamento de linguagem natural, “machine learning, como redes neurais”, reconhecimento de padrões, etc. Recomendo leitura de um livro muito interessante que aborda esta questão: “The Second Machine Age: work, progress and prosperity in a time of brilliant technologies” de Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee.
Os sistemas cognitivos têm o potencial de criar rupturas nas empresas e na sociedade, mudando inclusive a natureza do trabalho. Não apenas as tarefas explicitas podem ser automatizadas, mas tarefas tácitas (um veiculo autônomo, por exemplo, pode dispensar motorista). O vetor resultante cria um impacto potencial significativo na nossa sociedade. TI, por exemplo, deixará de ser apenas prestador de serviços de automação baseados em sistemas determinísticos, mas com aplicações “inteligentes” contribuirão diretamente para operações mais sofisticadas do negócio.
Atividades realizadas hoje por indivíduos, como o atendimento em call center e o suporte administrativo, podem ser inteiramente substituídos por estes sistemas. Também não seria inimaginável pensar que diversas tarefas ligadas a setores como educação, direito e saúde também poderiam ser efetuadas por sistemas “inteligentes”.
O exemplo da computação “inteligente” ajudar no diagnóstico médico muda nossa maneira de ver as coisas. O sistema auxilia no diagnóstico acessando mais de 600 mil relatórios de evidência médica, dois milhões de páginas de texto de 42 publicações especializadas em câncer e 1,5 milhão de registros e exames de pacientes. O sistema compara cada sintoma de cada indivíduo, sinais vitais, histórico familiar, medicamentos já aplicados, genética e rotina diária como alimentação e exercícios para diagnosticar e propor um plano de tratamento específico. Muito difícil a qualquer médico conseguir analisar tal volume de informações para cada paciente. Na área do direito um sistema cognitivo pode analisar milhões de casos precedentes para descobrir e recomendar uma linha de ação. Talvez não seja mais necessário uma legião de estagiários para fazer tal tarefa…
Claro, chegar lá não é simples, como as primeiras experiência como Watson estão demonstrando. Na verdade, um sistema complexo como Watson não é uma implementação plug-and-play como os prospectos comerciais tendem a mostrar. Demanda a preparação de um ecossistema que envolve atividades de pesquisa (coleta de novas informações), curadoria de conhecimento (filtrar o que é relevante para o domínio do conhecimento) e, naturalmente, análise e interação com o sistema. É um processo de evolução incremental, com constante aperfeiçoamento dos próprios algoritmos aplicados.
Mas há dez anos tal tarefa era considerada fora do escopo da computação e agora estamos discutindo qual seu grau de eficiência. Um avanço e tanto!
O desafio é que as mudanças acontecem em ritmos cada vez mais acelerados. Há uns 20 anos atrás apenas 3% da população mundial tinha celulares e uma ínfima parcela de 1% acessava a Internet. Há dez anos não existiam iPhone, iPads, Facebook, YouTube e Twitter. O fato do Watson não acertar tudo ou o Siri tropeçar nas respostas não significa que daqui a poucos anos sua margem de acerto não será imensamente maior.
Portanto, devemos estar preparados para as tecnologias futuras. Precisamos entender como elas mudarão a sociedade, a economia e a forma de atuação das nossas empresas. A destruição criativa, como disse Joseph Schumpeter, continua ativa. Desloca empresas e setores consolidados e cria aberturas para novos modelos de negócio. As tecnologias como a computação cognitiva já não estão mais no campo da ficção científica, mas na questão de quando e em que intensidade vão transformar nossas organizações.
Nesta e nas próximas décadas os executivos de negócio devem compreender e usar a tecnologia como força de ruptura nos seus negócios. O mundo evolui na velocidade da Internet e tentar se segurar com a ilusão que “meu negócio é estável e não vai mudar, pois não mudou nos últimos anos”, provavelmente não o protegerá da inevitável transformação. A combinação do efeito de múltiplas tecnologias que evoluem rapidamente afetará todas as empresas e criará mudanças significativas na natureza do trabalho atual. Novas capacitações serão requeridas e novos modelos de negócio surgirão. Você já está fazendo a sua parte?
Fonte: ComputerWorld
Texto original:
http://computerworld.com.br/como-os-sistemas-cognitivos-se-transformarao-no-futuro-da-computacao