Agile e Scrum podem e devem ser aplicados a toda a organização
O “Agile Manifesto” deveria ser leitura obrigatória para todos os CEOs, C-level e CIOs. Ser Agile não é apenas implementar uma metodologia, mas uma fazer uma mudança cultural significativa. Ser Agile não é opção. É necessidade
Por: Cezar Taurion
O processo de transformação dos negócios impulsionado pela revolução digital está se acelerando. Pesquisas com CEOs mostram que este cenário já faz parte do seu “to do list”. Até 2018, 67% dos CEOs da Fortune 2000 dizem que a transformação digital estará no centro de suas estratégias de negócio. Para esses executivos, até 2020, metade do budget de TI estará diretamente relacionado com as iniciativas de transformação digital. O que podemos deduzir?
As empresas começam a se reposicionar para serem empresas digitais, qualquer que seja seu setor de negócios. Os CEOs estão reconhecendo o ritmo das mudanças, e, estão fazendo da digitalização do negócio muito mais do que apenas uma competência da TI, depois de anos tratando tecnologia como uma simples commodity. Então, aqui uma primeira provocação. Por que então estes CEOs não começam a pensar como CEOs da indústria de software? Afinal, se software será o cerne do seu negócio, pensar e agir como uma empresa de software faz todo o sentido.
Se esta afirmativa causou espanto, sugiro ler o excelente artigo publicado pela Harvard Business Review, “You Don’t Have to Be a Software Company to Think Like One”. Ser executivo de software, pelo menos para as empresas bem sucedidas, significa estar provocando rupturas em seu próprio setor e não ficar no aguardo do que poderá acontecer no futuro. Significa também reconhecer o papel fundamental e estratégico de sua TI, e não mais a considerar como simples setor operacional. Manter esta perspectiva de uma TI de suporte poderá ser o fim do seu negócio em alguns anos. Infelizmente esta visão míope do impacto da transformação digital ainda está bastante disseminada. Alguns analistas como Forrester apontam que apenas 27% das empresas têm realmente uma estratégia digital coerente.
A importância de repensar o negócio, buscando ser uma empresa digital e ágil deve ser a ação principal dos CEOs. A mesma Harvard Business Review publicou um artigo instigante sobre o tema, chamado “Embracing Agile”, escrito por Hirotaka Takeuchi e Jeff Sutherland. Para relembrar, Takehuchi foi o criador do método Scrum e Sutherland um dos responsáveis por aplicá-lo no desenvolvimento de software, partir do “Agile Manifesto”.
O importante é considerar que embora Agile e Scrum sejam geralmente vistos apenas como aplicáveis a software, podem e devem ser aplicados a toda a organização, principalmente, se a empresa agir como uma empresa de software. Isso significa por exemplo que Agile deve ser o princípio básico do grupo executivo (CEO e outros C-level) atuar! E também de RH, vendas, finanças, jurídico…Uma organização ágil muda sua maneira de agir, em contraste com os modelos organizacionais da sociedade industrial, baseados no paradigma da estabilidade, mudanças lentas e um entrincheirado modelo de gestão hierárquico, tipicamente “dilbertiano”, de comando-e-controle.
Aliás, o “Agile Manifesto” deveria ser leitura obrigatória para todos os CEOs, C-level e CIOs (tenho certeza que muitos dos CIOs não o leram). A maior prioridade ditada pelo manifesto é “is to satisfy the customer”. É uma declaração revolucionária!?! A maioria das empresas diz isso, “o cliente em primeiro lugar”, mas na prática sua prioridade é satisfazer seus acionistas pela valorização de suas ações. Jack Welch que foi CEO da GE disse que o famoso SVM (Shareholder Value Maximization) foi uma das ideias mais idiotas que os gestores de negócios tiveram. Recomendo enfaticamente ler o texto “The World’s Dumbest Idea”, que mostra através de análises bem fundamentadas que SVM não representa realmente um maior retorno para os acionistas. Na verdade, quem tem razão é o grande Peter Drucker ,que em 1954 já dizia que “The only valid purpose of a firm is to create a customer”.
Ser Agile para uma empresa é uma mudança transformacional, mais ou menos como a revolução de conceitos que Copérnico provocou na astronomia, ao derrubar o conceito do geocentrismo. Agile significa que no centro do universo não está mais a empresa (e os clientes em órbita), mas o próprio cliente. A empresa é que orbita em torno dele. Isto implica em buscar proporcionar experiências positivas e inovação contínua. Portanto ser Agile não é apenas implementar uma metodologia, mas uma fazer uma mudança cultural significativa. Ser Agile não é opção, mas necessidade.
Agora, vamos nos voltar para a TI. Em uma empresa Agile, agindo como uma empresa de software, a TI deve ser Agile. Mas na maioria das organizações ainda vemos uma TI agindo menos como uma empresa de software e mais como a empresa mãe, burocrática e cheia de processos e restrições para avançar de um ponto ao outro. Emblemático deste modelo é o conceito “waterfall” que ainda direciona não apenas o desenvolvimento dos sistemas, mas os princípios de operação de muitas dessas áreas de TI. Agile, para muitos CIOs, é sinônimo de desorganização, anarquia e até mesmo “perigoso” para o negócio, só aplicável a uma pequena parcela das aplicações.
Esta atitude, é devido, em parte, devido ao desconhecimento do que é ser Agile. Novamente, repito aqui, poucos CIOs leram o “Agile Manifesto” (que é de 2001), que explicita claramente seus valores, aqui mantidos no original em inglês:
1 – People over processes and tools;
2 -Working prototypes over excessive documentation;
3 – Respond to changes rather than follow a plan;
4 – Customer collaboration over rigid contracts.
Por que é importante que os CIOs leiam este manifesto? Por que ele não é apenas para desenvolvedores, mas embute os princípios, valores e filosofia que deve nortear uma empresa e uma TI ágil.
Vamos ser assertivos. Quantas áreas de TI realmente são Agile em sua plenitude? Você leitor, olhe para dentro de sua própria área de TI. Veja se ela não dá mais prioridade a processos? Não exige extensa documentação? Tem realmente flexibilidade para mudar prioridades de seus contratos e alocação de budgets com os usuários, ou segue planos rígidos e reluta em mudá-los?
Creio que até aqui já concordamos que velocidade e inovação contínua são críticos no cenário de negócios atual. Como as empresas estão cada vez mais digitais, torna-se fato e não opinião que uma área de TI que contribui para o negócio deve ser inovadora, e que criar e entregar produtos digitais rapidamente passa a ser uma vantagem competitiva. Portanto, a TI deve ser ágil. Para tangibilizar esta TI ágil devemos criar uma cultura Agile e implementar métodos e práticas ágeis, como DevOps (integração do desenvolvimento com operações) e foco em entregas contínuas.
Estas práticas começaram a ser adotadas com sucesso pelas empresas de tecnologia que já nasceram com a Internet, como Facebook (libera milhões de linhas de código e implementa centenas de pequenas modificações em seus serviços diariamente, sem downtime) e Amazon (que libera código a cada dez segundos e atualiza 10.000 servidores por vez e caso necessite faz rollback destas mudanças com um único comando). Cada uma destas empresas opera sistemas extremamente complexos. Os sistemas do Facebook, por exemplo, somam cerca de 60 milhões de linhas de código.
Elas têm uma vantagem sobre as empresas pré-Internet. Não têm sistemas legados. Nã chega a ser um impeditivo de se adotar estas práticas. Mas, demanda um cuidado extra. Lembramos que a mudança é basicamente cultural e, portanto, toda atenção deve ser dada a este aspecto. Contratar ferramental e colocar aqui e ali uma ou outra equipe isolada, adotando estes métodos, enquanto a imensa maioria da TI continua atuando pelos processos seculares, não vai capturar o valor potencial da cultura ágil. Como toda mudança cultural, vão existir barreiras e fortes reações contrárias, mas o processo deve evoluir de forma gradual e continuadamente. Para isso é essencial que exista patrocínio e comprometimento da corporação como um todo. Não apenas do CIO, mas do CEO! Novamente, insisto, os CEOs devem ler o “Agile Manifesto”!
De maneira geral a implementação da cultura ágil passa por estágios evolutivos. O primeiro é simplificar, criar uma “única fonte de verdade” para todos os softwares: um repositório para armazenar, controlar versões e rastrear todas as mudanças nos códigos fonte. A etapa seguinte é escalar o processo, de equipes piloto para toda a TI. O objetivo estratégico deve ser tornar toda a TI ágil. Portanto, o conceito já disseminado da TI bimodal é transiente, etapa necessária apenas quando o processo está em evolução, mas não é e nem deve ser o objetivo final da TI. Se a empresa vai ser ágil em seu todo (lembram-se do início da nossa conversa aqui?), então não tem sentido ter pedaços mais lentos e outros mais rápidos. Toda a empresa terá que ser ágil e por consequência toda a TI terá que ser ágil. Ao alcançar esta escala, os processos devem ser sustentáveis e, portanto, entranhados na cultura da TI. Agile deve estar entranhada no DNA da TI de modo que passe a ser o mindset natural das suas ações. Quando este modelo mental já for comum, as discussões de hoje, de agilidade e velocidade versus estabilidade, deixarão de existir. Não existirá mais escolhas entre fazer rápido ou fazer de forma confiável e resiliente. Será ao mesmo tempo estável e confiável. Saímos do “ou” para o “e”.
Por ser uma ação estratégica, temos de cumprir alguns requisitos básicos, que são os pilares fundamentais da TI ágil. O primeiro é uma infraestrutura ágil e isso significa adoção do conceito de computação em nuvem. Depois, a arquitetura dos sistemas deve ser redesenhada para atuar em microserviços, que permitam equipes pequenas atuarem diretamente. Passa então por uma mudança conceitual da organização e TI e de seus processos. Modelos em silo, hierarquizados, típicos da sociedade industrial são impeditivos a uma cultura ágil. E, claro, precisamos de talentos e ferramental adequado.
Uma TI ágil atua sob outro paradigma, impensável nos modelos atuais de “waterfall”. Falamos de entrega de software de forma contínua (dias ou semanas) contra 3 ou mais meses; falamos de testes automatizados, sem intervenção humana, em no mínimo 80% das ações contra uns 50% no máximo que vemos hoje; falamos de deployment 100% automático (one-click process) contra uns 30 a 50 passos de hoje, a maioria com intervenção humana. Um novo modelo mental.
Ser uma empresa ágil é requisito para sobreviver no século 21. Portanto uma TI ágil não é opção, mas necessidade. Recomendo, aos executivos a leitura e um debate com seus pares de um texto bem instigante, da strategy+business, “Rita Gunther McGrath on the End of Competitive Advantage”. Tornar sua empresa ágil vai, obrigatoriamente, obrigar você a repensar muitos de seus conceitos atuais. Comece logo!
Fonte: CIO
Texto original:
http://cio.com.br/opiniao/2016/05/09/agile-e-scrum-podem-e-devem-ser-aplicados-a-toda-a-organizacao/