As inovações que tornam a computação quântica uma realidade factível
Entenda os mecanismos que têm ajudado o conceito a deixar de ser uma exclusividade das histórias de ficção científica
Por: CIO Brasil
O potencial da Computação Quântica, em sua plenitude, pode estar a anos de distância, mas muitos benefícios já estão disponíveis agora, argumenta Vern Brownell, presidente e CEO da D-Wave.
“Estamos no início da Era Quântica”, diz Brownell. “Acreditamos que estamos bem no limite de fornecimento de recursos impossíveis de obter com a computação clássica”, completa.
Vale lembrar que computadores quânticos serão significativamente mais rápidos que os PCs e servidores atuais e trarão mudanças radicais para o desenvolvimento de computadores. Os bits usados por computadores tradicionais representam dados como 0s ou 1s. Já os qubits, ou bits quânticos, podem ser, simultaneamente, 0s e 1s e um estado conhecido como superposição, permitindo novos níveis de desempenho e eficiência. Equipados com esse poder, os pesquisadores podem resolver problemas que não poderiam resolver antes.
“Os computadores quânticos terão impacto em quase todas as disciplinas”, afirma Brownell, citando exemplos como a descoberta de medicamentos e modelagem climática. “Isso abre uma nova caixa de ferramentas para os cientistas e desenvolvedores.”
Empresas já podem adicionar recursos quânticos em suas cargas de trabalho. E até ter acesso ao processamento quântico, remotamente, através de ações da própria D-Wave e da IBM, que colocou suas próprias capacidades quânticas disponíveis por meio da nuvem. O objetivo é permitir a um maior número de cientistas e desenvolvedores rodar experimentos e testar aplicações. “Enfim, desvendar mistérios de décadas acerca de computadores quânticos e permitir que pessoas brinquem com o hardware”, afirma Jay Gambetta, gerente de informação e teoria de computação quântica na IBM.
O processador 5-qubit é parte de uma nova plataforma chamada “IBM Quantum Experience”, onde seu acesso será feito através da plataforma Cloud Bluemix da IBM, que fornecerá a interface para carregar aplicações para serem “trituradas” no processador quântico. Para ter acesso é necessário pedir convite nesta página. O cadastro é rápido e, pelo o que eu pude constatar, a liberação não demora muito.
Enquanto o sistema da D-Wave é ideal para tarefas específicas, desenvolvidas por um número limitado de companhias, como a Google, a Lockheed Martin e o Los Alamos National Laboratory, o sistema da IBM é desenhado para rodar tarefas mais diversas. A companhia acredita, por exemplo, que a computação quântica possa ser um caminho para avanços na fabricação de chips menores e mais eficientes, por exemplo. E frisa que, por ora, o principal objetivo do IBM Quantum Experience é facilitar a troca de informações e os experimentos da comunidade acadêmica acerca da computação quântica.
Aplicações
Tipicamente, a computação quântica vai ser usada junto com os sistemas convencionais, disse Brownell. “Se você está usando um iPhone, um desktop ou qualquer outra coisa, você pode acessar a tecnologia quântica, assim como qualquer outro recurso”, explica.
A D-Wave Fabrica chips supercondutores e software capaz de injetar recursos de computação quântica em algoritmos de aprendizado de máquina para treinamento muitas o vezes mais rápido e com maior precisão.
Muitos cientistas acreditam que os computadores quânticos possam ser usados para ser usados para assegurar redes de computador. Outros, esperam que eles ajudem a encontrar cura para doenças como câncer e Alzheimer.
Ao oferecer ganhos exponenciais em performance, computadores quânticos também podem ter uma enorme aplicação na criptografia e na química computacional, entre outros campos.
Em maio desta ano, a D-Wave e a 1QBit (desenvolvedora de software quântico) anunciaram a criação da Quantum for Quants, focada em preparar analistas quantitativos e outros especialistas focados em problemas complexos em finanças para o uso de computação quântica.”Os computadores quânticos nos permitem usar as leis da física para resolver problemas matemáticos difíceis”, disse Marcos de López de Prado, diretor gerente sênior da Partners Guggenheim e pesquisador do Lawrence Berkeley National Laboratory’s Computational Research Division. “Estamos assistindo ao começo de uma nova era, que vai mudar o trabalho do matemático e dos cientistas da computação nos próximos anos.”
Hoje, a computação quântica vem sendo usada para resolver problemas de otimização. Ou seja, aqueles onde há várias formas possíveis de chegar a um resultado desejado. O exemplo clássico é o vendedor viajante que precisa encontrar a rota mais eficiente para visitar um número de cidades. Quanto mais cidades são acrescentadas, maior o número de possíveis rotas e logo há muitas possibilidades para um computador convencional lidar em uma quantidade razoável de tempo.
Problemas de otimização são comuns em missões espaciais e no modelo de controle de tráfego aéreo – áreas que a Nasa devota significantes esforços em computação.
“A Nasa tem uma grande variedade de aplicações que não conseguem ser resolvidas em supercomputadores tradicionais em um prazo realista devido a sua complexidade exponencial, então sistemas que usam efeitos quânticos oferecem uma oportunidade de resolver tais problemas”, disse Rupak Biswas, diretor de exploração tecnológica no Nasa Ames.
A máquina no Ames Research Center da Nasa é uma das três que a D-Wave construiu. Outra se encontra no Los Alamos National Laboratory e a terceira é de propriedade da Lockheed Martin e usada pela University of Southern California.
Recentemente, uma equipe de engenheiros da Nasa e Google anunciou que o computador D-Wave, ao rodar um problema de otimização, obteve uma resposta 100 milhões de vezes mais rápida que um computador convencional com um único núcleo de processamento.
“O que uma máquina D-Wave faz em um segundo levaria 10 mil anos para um computador convencional com um único núcleo”, disse Hartmut Neven, diretor de engenharia do Google durante conferência para imprensa para anunciar o resultados, que geraranm um debate significativo sobre se a máquina estava, de fato, superando os computadores convencionais.
Os pesquisadores veem esses reultados como um passo promissor, mas também com algumas ressalvas, uma vez que o computador foi projetado para a tarefa de otimização específica para o qual foi testado.
“Os sistemas ainda são rudimentares. Apesar de rodarem alguns cálculos bem específicos de forma mais rápida do que computadores tradicionais, eles são definidos por suas limitações. Quando de fato sistemas quânticos ficarem online, eles alimentarão a indústria de TI, organizações públicas e privadas e indivíduos para fundamentalmente repensarem certos tipos de problema”, afirma Charles King, analista na Pund-IT.
O fato é que com o sucesso da Nasa e do Google, a indústria pode estar um passo mais próxima de ter um verdadeiro computador quântico.
O futuro
Muitas abordagens são sendo testadas na corrida para o desenvolvimento da computadação quântica. Recentemente, por exemplo, o Google declarou que está combinando técnicas distintas e, dessa forma, obteve resultados promissores.
Em um artigo publicado no jornal Nature, um time de pesquisadores da gigante de buscas, em parceria com diversas instituições acadêmicas, descreveu um método que chamou de “quantum annealing with a digital twist” (algo que, no português, poderia ser traduzido como “reconhecimento quântico com uma virada digital”).
Essencialmente, a ideia foi combinar a abordagem de “quantum annealing” com a estrutura de “gates” (portões) quânticos e, dessa maneira, aproveitar o melhor dos dois modelos. É possível ver um vídeo que dá uma ideia da descoberta recente do Google.
Cientistas russos também dizem ter feito avanços no que diz respeito às técnicas para construção de computadores quânticos, já que os qubits tendem a ser altamente instáveis.
A superposição é o coração de um extraordinário potencial da computação quântica, mas também se provou um desafio espinhoso. Enquanto os cálculos exigem que qubits não só mantenham seu estado, mas também interajam uns com os outros, os objetos quânticos que têm sido usados para criar qubits – íons ou elétrons, por exemplo -, até agora, só foram capazes de manter um determinado estado quântico por pouco tempo.
Em um sistema com dezenas ou centenas de qubits, o problema fica ainda mais complicado. É aí que os físicos do Moscow Institute of Physics and Technology e do Russian Quantum Center estão propondo uma abordagem diferente.
Em vez de tentar manter a estabilidade de um grande sistema qbit, eles procuraram aumentar a capacidade das unidades que fazem os cálculos. Para isso, eles se voltaram para o “qudit,” uma alternativa ao qubit.
Qudits são objetos quânticos para a qual o número de possíveis estados é maior que dois. Entre eles estão qutrits, que têm três estados potenciais e ququarts, que possuem quatro. Devido a esses potenciais estados adicionais, são necessários menos qudits para fazer a mesma quantidade de trabalho.
“Um qudit com quatro ou cinco níveis é capaz de funcionar como um sistema de dois qubits ‘comuns’, e oito níveis é suficiente para imitar um sistema de três qubits”, explicou Aleksey Fedorov, pesquisador do Russian Quantum Center.
Fedorov e seus colaboradores demonstraram que em um qudit com cinco níveis, criado usando um átomo artificial, é possível realizar cálculos quânticos completos.
“Estamos fazendo progresso significativo porque em determinadas implementações físicas é mais fácil de controlar qudits multiníveis do que um sistema do correspondente número de qubits”, disse Fedorov. “Isso significa que estamos um passo mais perto de criar um computador quântico de pleno direito”.
Os resultados dos pesquisadores foram publicados recentemente em uma série de artigos na Physical Review A, Physics Letters A, e Quantum Measurements and Quantum Metrology.
E os cientistas russos não são os únicos tentando superar o desafio de construir circuitos quânticos funcionais.
Pesquisadores da Griffith University e University of Queensland usaram o entrelaçamento quântico de partículas de luz para implementar uma operação SWAP controlada, considerando que o portão Fredkin requer tipicamente um circuito de cinco operações lógicas.
A versão quântica do clássico portão Fredkin troca dois qubits dependendo do valor do terceiro. Ele poderia ser um componente chave do circuito quântico, pois devido a complexidade envolvida ninguém até então conseguiu construir um na vida real. Isso, até agora.
“Semelhante a construção de uma enorme parede de lotes de pequenos de tijolos, grandes circuitos quânticos exigem muitas portas lógicas para funcionar”, explicou Raj Patel, pesquisador no Centro de Griffith para a Quantum Dynamics.
Essencialmente, esses cientistas demonstraram como construir circuitos quânticos grandes diretamente, sem a necessidade de usar vários portões lógicos pequenos. Isso, por sua vez, colocaria os computadores quânticos reais ao alcance.
Recentemente, cientistas do National High Magnetic Field Laboratory (MagLab) na Florida State University também reportam uma descoberta com promessa semelhante, ao minimizar a suscetibilidade dos qubits às perturbações magnéticas. O estudo foi publicado na Science Advances e na Nature.
Especificamente, ao usar o mesmo princípio que permite que relógios atômicos permaneçam precisos, pesquisadores do National High Magnetic Field Laboratory (MagLab), da Universidade Estatal da Flórida, encontraram uma forma de dar aos qubits o equivalente a um par de fones de ouvidos que possam cancelar o barulho.
A abordagem confia no que é conhecido como transações dos relógios atômicos. Trabalhando com moléculas de óxido de tungstênio cuidadosamente desenhadas que continham um único íon holmium magnético, a equipe do MagLab conseguiu manter coerentemente o qubit por 8,4 microsegundos – potencialmente o suficiente para que ele desempenhasse suas tarefas computacionais úteis.
“Eu sei que 8,4 microsegundos não soam como algo grande”, disse o físico Dorsa Komijani do MagLab. “Mas em imãs moleculares, é uma grande coisa, por que isso significa muito, muito tempo”.
Agora, os pesquisadores precisam pegar as mesmas ou moléculas similares e integrá-las em dispositivos que permitam manipulação e leitura de uma molécula individual, explicou Stephen Hill, diretor do Electron Magnetic Resonance Facility, do MagLab.
“A boa notícia é que trabalhos paralelos de outros grupos demonstraram que conseguimos fazer isso, apesar de que com moléculas que não têm transições pontuais”, disse Hill. “Então seria factível pegar a molécula que estudamos e integrá-la dentro de um dispositivo de uma única molécula”.
Depois disso, o próximo passo será obter esquemas envolvendo múltiplos qubits que tornem possível endereçá-los individualmente e mudar o acoplamento entre eles e as operações de lógica quântica poderão ser implementadas, disse.
Isso ainda está no futuro, “mas é o mesmo problema de escalabilidade que pesquisadores trabalham atualmente em outros potenciais sistemas qubits”, acrescentou.
Para completar, em abril deste ano a Comissão Europeia anunciou planos para investir mais de 1 bilhão de Euros em uma variedade de tecnologias quânticas.
Questão de tempo
Portanto, a dificuldade de construção de computadores quânticos é, de fato, um problema puramente tecnológico, não conceitual.
“De fato, a computação quântica ainda se encontra em seu estágio inicial”, disse Steve Conway, analista na IDC. “Seu desenvolvimento depenpe de uma comunidade muito controversa e algumas vezes até rabugenta. A questão é sempre: isso é realmente um computador quântico? A D-Wave é a chefe do grupo porque ela de fato tem um computador já construído. Alguns dizem que não se trata de um computador quântico, mas o Google a Nasa acreditam que é algo que vale a pena testar”.
Ainda serão necessários anos antes que a computação quântica se torne um mercado em si, de acordo com Conway, e as empresas considerarem uma máquina quântica viável como parte de seu arsenal de computação.
“Nós não veremos computadores quânticos dando um ultimato para que modelos tradicionais saiam de circulação do dia para a noite”, disse o analista. “Estamos falando de pesquisas experimentais muito avançadas”.
Charles King, analista na Pund-IT, acredita que os avanços devem chegar nos próximos 10 anos. O trabalho da IBM tem, para ele, o potencial de direcionar a pesquisa de uma forma mais rápida que esperada. “A companhia já demonstrou algumas capacidades em computação quântica, incluindo alguns conceitos de detecção de erro e correção”, diz King.
A própria IBM prevê que na próxima década, quando processadores quânticos com capacidade entre 50 e 100 qubits começarem a surgir, a tecnologia passe a ser mais utilizada.
E pode ser uma excelente notícia também para a indústria como um todo.
No Brasil
Se interessou pelo assunto? Estão abertas as inscrições para o 4th CCIS – Conference of Computational Interdisciplinary Sciences, encontro científico internacional que será realizado de 7 a 10 de novembro no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos (SP).
O CCIS tem como principal objetivo reunir pesquisadores e alunos de pós-graduação que utilizam metodologias e ferramentas avançadas da computação para aplicações científicas em física, química, biologia e engenharias, incluindo tópicos em ciências espaciais.
O evento contará com sessões especiais sobre Análise e Simulação de Dados em Astrofísica e Cosmologia, Eventos Extremos, Computação Quântica, entre outras.
Fonte: ComputerWorld
Texto original:
http://computerworld.com.br/inovacoes-que-tornam-computacao-quantica-uma-realidade-factivel