Transformação digital: o preço da sobrevivência
Uma empresa tradicional não se torna digital de supetão. É uma jornada. Antes de tudo é preciso superar obstáculos como a inércia e a falta de talentos para “pensar digital”. Depois, que a estratégia digital seja holística e não departamental.
Por: Cezar Taurion
Em pleno 2016, está claro que digital não é mais o futuro dos negócios, mas o presente. Entretanto, muitos executivos seniores ainda não consideram que o mundo digital é, ou será em breve, o “core” dos seus negócios, por que simplesmente não o era no passado. Esquecem que hoje o próprio mundo está hiperconectado, os seus funcionários e clientes já são digitais, usam naturalmente a tecnologia digital desde que acordam até a hora em que vão dormir.
Outros, mais conscientes, estão assustados com a “síndrome do Uber”, esperando que amanhã cedo um concorrente que não estava na sua lista hoje mude os fundamentos do seu negócio de forma totalmente imprevisível, deixando-os sem reação. Para todos fica claro que os mapas do passado não servem mais para os caminhos que levarão a empresa à frente. A tecnologia digital está transformando drasticamente duas coisas fundamentais para qualquer empresa: a dinâmica dos mercados no qual operam e a velocidade que precisam para se reinventar e se manter competitivas.
Ficar inerte simplesmente vai significar que que a ruptura digital virá por outra empresa, seja de outro setor ou de uma startup. E aí, a pior coisa que pode acontecer é ser relegado a segundo plano ou simplesmente sair do mercado pela transformação das demandas do próprio mercado. A reação tem que ser rápida e, muitas veze,s batendo de frente com os modelos de negócio estabelecidos. Mas é o preço da sobrevivência.
Nos eventos que venho participando, como os CIOs Global Summit organizados pela IDG, observo que muitos dos CIOs já têm essa consciência, mas sentem que seus CEOs ainda não perceberam a urgência da digitalização. Além disso, reconhecem que suas estratégias digitais ainda são tímidas e faltam talentos preparados para “pensar digital”. Também admitem que duas grandes barreiras são a cultura arraigada e a organização burocrática, hierárquica e separadas em silos.
Como ultrapassar estes obstáculos? Cada empresa tem que achar seu próprio caminho, mas alguns erros já cometidos servem de lição. Estratégias digitais isoladas em departamentos como marketing (esse é um erro crasso: assumir que estratégia de negócios digitais é simplesmente uma estratégia de marketing digital) ou tratar os canais digitais como entidades à parte, desconectadas das demais operações, gera conflitos e até mesmo situações caóticas.
Estruturas organizacionais, processos e tecnologias separadas para os canais físicos e os digitais, geram confusão e atritos pela disputa dos recursos econômicos. Conheço casos de empresas de varejo que tratam o mesmo cliente como se fossem dois clientes diferentes, o do canal físico e o do canal digital. Isso é tudo que o cliente absolutamente não quer!
Claramente vejo que muitas empresas precisam de um “reset”. A estratégia digital deve ser holística e não departamental. O “reset” vai servir para dar um novo início, repensando como os modelos operacionais funcionam, sejam na captação à retenção de clientes, nos processos internos, nos modelos organizacionais e nas tecnologias adotadas. Significa sair de uma empresa de cultura analógica para uma digital.
A mudança cultural é um obstáculo que muitas vezes é o mais difícil de superar. Mudar o “mindset” executivo moldado a gerenciar uma empresa que orquestra uma cadeia linear, onde a empresa é o centro e os clientes e parceiros ficam em sua órbita, para fazer parte de um ecossistema não é simples. Significa expor seu negócio de forma que não estão acostumados. Criar APIs para que clientes e parceiros agreguem valor com suas aplicações e demandas, por exemplo.
Outro obstáculo é que muitas empresas ainda veem a sua TI apenas como suporte e apoio operacional. Assim, ser digital para muitas delas é criar um app, que muitas vezes apenas simula um desktop em suas funcionalidades. E alardeiam na mídia…não, não é apenas isso. É essencial integrar as duas pontas de uma estratégia digital, a que chamo de experiência do cliente e a da excelência operacional.
Experiência do cliente implica em olhar as melhores práticas de outros setores e ver como os clientes se sentem interagindo com essas empresas via tecnologias digitais. Não é olhar apenas para seus concorrentes. O setor todo pode estar indo no caminho errado. Aliás, as próprias fronteiras da concorrência estão se tornando ambíguas e sem sentido. Uma empresa de um setor adjacente pode ser amanhã seu principal concorrente.
É pensar como uma empresa de software, repensando seus produtos e serviços como experiência digitais. Pense em um contexto onde os produtos virão com uma “camada virtual”, como informações ou serviços. Talvez faça sentido aplicar aqui uma analogia com o conceito de “realidade aumentada”, onde o produto passa a ser envolvido com uma camada digital que lhe dá outras funcionalidades. Um exemplo, o serviço OnStar, da GM, que permite acesso a reserva de hotéis quando dirigindo seu carro. Outros exemplos são ajudar o cliente com algoritmos de recomendação, como fazem Netflix e Amazon e, esta última, reduzindo os tempos de entrega (melhorando a experiência do cliente) fazendo a solicitação prévia do pedido antes que o cliente mesmo o faça!
A excelência operacional implica em construir uma empresa ágil, responsiva, com processos eficientes e simples. Eliminar camadas e mais camadas de complexidade que foram adicionadas aos processos originais e que hoje tornam a empresa lenta nas reações. Passa, obrigatoriamente, por repensar o arcaico e obsoleto modelo organizacional hierárquico e centralizado.
Uma empresa tradicional não se torna digital de supetão. É uma jornada. Começa adotando por filosofia que será digital. Caminhada árdua, pois demanda mudar cultura, estruturas organizacionais, modelos de operação e negócios. As mudanças não acontecem por osmose, mas enfrentam muita resistência e ceticismo. Como primeiro passo, faça um diagnóstico sincero e veja onde sua empresa se enquadra em termos de maturidade digital, olhando a experiência digital proporcionada a seus clientes e também quão digital é a sua excelência operacional. Você pode se descobrir sendo um dinossauro digital…ou um mestre digital.
Provavelmente você se situará entre esses dois extremos. Caso seja um mestre digital, parabéns, sua empresa deve estar entre as 5% mais digitais do mundo. Caso, por outro lado, seja um dinossauro, corra para recuperar o tempo perdido, para não ser extinto.
Não sendo um mestre digital, comece imediatamente a jornada. Defina uma liderança para o processo de transformação digital. O CEO deve estar 100% comprometido com esta jornada. O CIO tem a sua grande oportunidade profissional de assumir posição de liderança neste processo, desde que tenha atitude para isso. O surgimento da posição de CDO (Chief Digital Officer) acontece quando o CIO não assume este papel.
Sugiro a leitura de uma entrevista com uma CDO, da universidade de Harvard, “Harvard’s Chief Digital Officer: 10 Digital Best Practices” como benchmark de uma estratégia digital. Alguns pontos chave: criar uma cultura de digital-first, um modelo organizacional centrado no cliente e uma visão outside-in. Parece simples, mas é uma mudança cultural bastante significativa e impactante. Por exemplo, adotar modelos de negócio pay-as-you-go pode parecer uma verdadeira heresia, mas talvez seja o futuro do seu negócio.
Avalie estas transformações da dinâmica do mercado de forma isenta e sem preconceitos.
O importante é começar a agir. Um mundo volátil onde a sua maior ameaça são concorrentes que ainda não são classificados como concorrentes não permite um segundo de hesitação. Constantemente se pergunte o que vem a seguir e seja proativo. Reagir ao que já aconteceu não será mais suficiente para a sobrevivência empresarial.
Fonte: CIO
Texto original:
http://cio.com.br/gestao/2016/06/28/transformacao-digital-o-preco-da-sobrevivencia/